TRATADO DE DIREITO PENAL, BETTENCOURT
CONSIDERAÇÕES INTRODUTÓRIAS
Para Durkheim, o delito não só é um fenômeno social normal,
como também cumpre outra função importante, qual seja, a de manter
aberto o canal de transformações de que a sociedade precisa.
O fato social que contrariar o
ordenamento jurídico constitui ilícito jurídico, cuja modalidade
mais grave é o ilícito penal, que lesa os bens mais importantes dos membros
da sociedade.
Quando as infrações aos direitos e
interesses do indivíduo assumem determinadas proporções e os demais meios de
controle social mostram-se insuficientes ou ineficazes para harmonizar o
convívio social, surge o Direito Penal com sua natureza peculiar de meio de
controle social formalizando, procurando resolver conflitos e suturando
eventuais rupturas produzidas pela desinteligência dos homens.
O
Direito Penal apresenta-se por um
lado, como um conjunto de normas jurídicas que tem por objeto a determinação de
infrações de natureza penal e suas sanções correspondentes – penas e medidas de
segurança. Por outro lado, apresenta-se como um conjunto de valorações e
princípios que orientam a própria aplicação e interpretação das normas penais.
Esse conjunto de normas, valorações e princípios devidamente sistematizados,
tem a finalidade de tomar possível a convivência humana, ganhando aplicação prática
nos casos ocorrentes, observando rigorosos princípios de justiça. Com esse
sentido, recebe a denominação de Ciência
Penal.
O
Direito Penal regula as relações dos indivíduos em sociedade e as relações
destes com a mesma sociedade.
A
formalização do direito penal tem lugar por meio da vinculação com normas e
objetiva limitar a intervenção jurídico penal do Estado em atenção aos direitos
individuais do cidadão.
PRINCÍPIOS
LIMITADORES DO PODER PUNITIVO DO ESTADO
1-Princípio
da Legalidade e Princípio da reserva legal
Pelo
princípio da legalidade a elaboração de normas incriminadora é exclusivamente
função da Lei, sem a qual nenhum fato pode ser considerado crime e nenhuma pena
criminal pode ser aplicada.
CF-88 art. 5º
inc. XXXIX: “Não haverá
crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal.
Já
o Principio da reserva legal diz que a regulação de certas matérias deve ser
feita por meio de lei formal, de acordo com as previsões constitucionais.
O
principio da legalidade e reserva legal garante politicamente que nenhuma
pessoa pode ser submetida ao poder punitivo estatal, se não com base em leis de
senso democrático.
2-Principio
da intervenção mínima
Conhecido
como ultima ratio orienta e limita o
poder punitivo do estado.
O
Direito penal deve ser a ultima ratio do sistema normativo, ou seja, deve atuar
somente quando os demais ramos do direito são incapazes de tutelar devidamente os
bens relevantes do individuo.
É
necessário esgotar todos os meios extrapenais antes de se recorrer ao Direito
penal.
3-
Princípio da fragmentariedade
O
Direito penal limita-se a castigar as ações mais graves contra os bens
jurídicos mais importantes, surgindo daí seu caráter fragmentário.
4-
Princípio da irretroatividade da lei penal
A
lei penal não pode retroagir, a não ser para favorecer o réu.
Um
novo fato não tem eficácia para atingir coisas que fizeram sob domínio de fto
agora existente, ou seja, a lei nova não atinge, com sua eficácia, atos
jurídicos que se praticam antes que ela surgisse.
5-
Princípio da adequação social
Significa
identificar quando um comportamento perigoso é adequado para a produção de um
determinado resultado típico.
6-
Princípio da insignificância
A
irrelevância ou insignificância de determinada conduta deve ser aferida não
apenas em relação à importância do bem jurídico, mas em relação ao grau de sua
intensidade, pela extensão da lesão produzida.
A
insignificância da ofensa afasta a tipicidade.
7- Principio da ofensividade
Para
se tipificar um crime é indispensável que haja, ao menos, um perigo concreto,
real. São inconstitucionais todos os crimes de perigo abstrato, pois somente se
admite a existência de infração penal quando há concreto e real perigo de lesão
a um bem jurídico.
8-
Princípio da culpabilidade
Juízo
de valor que permite atribuir responsabilidade prática de um fato típico e
antijurídico.
Elemento
de determinação ou medição da pena.
Ninguém
responderá por um resultado absolutamente imprevisível se não houver obrado com
dolo ou culpa.
9-
Princípio da proporcionalidade
Implica
necessariamente a recusa de qualquer forma de intervenção ou punição
desnecessária ou exagerada por parte do
poder punitivo do estado.
10-
Princípio da humanidade
O
poder punitivo estatal não pode aplicar sanções que atinjam a dignidade da
pessoa humana ou que lesionem a constituição físico-psiquico dos condenados.
A
EVOLUÇÃO EPISTEMOLÓGICA DO DIREITO PENAL:
No século
XIX surgiram inúmeras correntes de pensamento estruturadas de forma
sistemática, segundo determinados princípios fundamentais.
A
principal característica desse período é o desenvolvimento da Criminologia como
ciência autônoma dedicada ao estudo do delito.
O positivismo
jurídico adotou um método descritivo e classificatório assemelhado, em parte,
ao utilizado pelas ciências naturais.
ESCOLA
CLÁSSICA
Representou
a humanização das Ciências Penais.
A crueldade
que comandava as sanções criminais em meados do s éculo XVIII exigia uma verdadeira
revolução no sistema punitivo então reinante.
Pregava a
dignidade humana e o direito do cidadão perante o Estado, fundamentando ambas,
dessa forma, o individualismo, que acabaria inspirando o surgimento da Escola
Clássica.
A teoria
do Contrato Social pressupõe a igualdade absoluta entre todos os homens. Sob essa
perspectiva se questionava a imposição da pena.
ESCOLA
POSITIVA
A Escola
Positiva surgiu no contexto de um acelerado desenvolvimento das ciências
sociais
(Antropologia, Psiquiatria, Psicologia, Sociologia, Estatística etc.).
A
corrente positivista pretendeu aplicar ao Direito os mesmos métodos de observação
e investigação que se utilizavam em outras disciplinas (Biologia, Antropologia,
etc.). No entanto, logo se constatou que essa metodologia era inaplicável em
algo tão circunstancial como a norma jurídica.
CESARE
LOMBROSO
Foi o
fundador da Escola Positivista Biológica, ao longo dos seus estudos foi modificando
sucessivamente a sua teoria ( atavismo, epilepsia, loucura moral).
Cesare
Lombroso teve o mérito de fundar a Antropologia criminal, com o estudo
antropológico do criminoso, na tentativa de encontrar uma explicação causal do
comportamento antissocial. O criminoso nato de Lombroso seria reconhecido por uma
série de estigmas físicos: assimetria do rosto, dentição anormal, orelhas
grandes, olhos defeituosos, características sexuais invertidas, tatuagens,
irregularidades nos dedos e nos mamilos etc.
TEORIAS
SOBRE FUNÇÕES, FINS E JUSTIFICAÇÕES DA PENA
Prevenção
Geral: prevenção de delitos incidindo sobre os membros da coletividade social.
Prevenção Geral Negativa: aviso aos membros da sociedade quais ações
injustas contra os quais os regerá, isto serve para que se abstenham de cometer
delitos.
Objeções a prevenção Geral:
ü Conhecimento da norma jurídica;
ü Motivação positiva sob pena:
ü Idoneidade dos meios preventivos.
Prevenção especial: vale para o delinquente para que o mesmo não volte a
delinquir.
Lei Penal no tempo: é a ideia de segurança jurídica, onde as normas que
regulam as infrações penais não podem modificar-se após as suas execuções, em
prejuízo do cidadão.
O principio da irretroatividade protege o individuo contra o próprio
legislador, impedindo de incriminar novas condutas.
Retroatividade e ultratividade da lei penal mais benigna.
Ultratividade prevalece, mesmo revogada para beneficiar, o inverso
também é aceito se for mais favorável.
O efeito retroativo e ultrativo que caracterizam lei penal benigna
aplica-se ao Direito Penal Material.
HIPÓTESES DE CONFLITOS DE LEI PENAL NO TEMPO
ü Abolitio criminis: nova lei considera
crime como ilícito penal e retira a característica de ilicitude penal de uma
conduta precedentemente incriminada e se configura mais benigna e atinge
inclusive fatos julgados, mesmo em fase de execução, fazendo desaparecer todos
os efeitos penais, permanecendo os civis;
ü Novatio Legis incriminadora: considera
crime fato anteriormente não incriminado é irretroativa;
ü Novatio Legis in pejus: lei posterior
com agravamento de situação, não retroage;
ü Novatio Legis in prellius: da
tratamento mais favorável ao sujeito, a retroatividade é incondicional.
ü A lex mitior: retroage e aplica-se
imediatamente aos processos em andamento e inclusive a processos com decisão
condenatória já transitado em julgado.
LEI INTERMEDIÁRIA E CONJUGAÇÃO DAS LEIS
Por
principio excepcional, só poderá ser aplicado a lei intermediária que é
a mais favorável e tem dupla extraatividade e é retroativa e ultra ativa, nunca há uma lei estritamente
completa.
Leis excepcionais e temporárias: tem períodos pré
determinados, nascem com a finalidade de regular circunstâncias transitórias
especiais, que em situação normal são desnecessárias.
Leis temporárias vem previamente fixada e são leis
excepcionais as que vigem durante situações de emergência, tem ultra atividade,
uma lei deste tipo é aplicável aos fatos puníveis praticados sob a sua
vigência, mesmo que tenha deixado de viger.
Retroatividade das leis penais em branco não são
revogadas em consequência da revogação de seus complementos.
LEI PENAL NO ESPAÇO
Princípios essenciais e dominantes: de acordo com o
principio de soberania a esfera penal é válida em todo território de um estado.
A aplicação da lei penal no espaço funciona da seguinte forma:
✓ Princípio da territorialidade: através
deste principio a lei penal brasileira é aplicada às ocorrências consumadas no
território nacional, indiferentemente se o agente é brasileiro ou estrangeiro
da vitima ou do bem jurídico prejudicado. Nosso ordenamento jurídico adota esta
diretriz como regra;
✓ Princípio real, de defesa ou proteção:
já neste princípio é permitido a extensão da jurisdição penal do estado titular
do bem jurídico afetado, indo além de seus limites territoriais, levando em
consideração a nacionalidade do bem jurídico lesado independente do lugar em que
se praticou o crime ou a nacionalidade do agente;
✓ Princípio da
nacionalidade/personalidade: emprega-se a lei penal de acordo com a
nacionalidade do agente, sendo pouco importante o local da prática do crime.
Neste caso o Estado soberano pode requerer que o seu nacional no estrangeiro
tenha determinada conduta. Este princípio possui duas ramificações:
Personalidade ativa: quando se considera somente a nacionalidade do agente
infrator; Personalidade passiva: neste caso a importância se dá somente se a vítima
do crime é nacional. O intuito deste princípio é impedir que nacionais saiam
impunes de crimes praticados no estrangeiro e que não são inclusos no conceito
de territorialidade;
✓ Princípio da universalidade/cosmopolita:
de acordo com este princípio, as leis penais se aplicariam a todos, em qualquer
lugar que estejam. Exemplo: pessoas procuradas pela Interpol;
✓ Princípio da representação/bandeira:
aplica-se este princípio quando se considera que as embarcações e aeronaves são extensões de
seus países em que estão matriculados;
✓ O código penal brasileiro adotou o
princípio da territorialidade como seu, excluindo as demais de seu ordenamento.
Conceito de território: Entende-se como território
Nacional tudo o que se encontra sujeito ao poder soberano do Estado. Isso
inclui superfície terrestre com limites reconhecidos, águas territoriais e o
espaço aéreo. As embarcações e aeronaves também são parte do território
nacional se registradas pelo país de origem, sendo consideradas extensões do
mesmo, isso no caso de embarcações e aeronaves públicas e oficiais.
Portanto qualquer delito cometido dentro de um
navio ou avião independente de onde se localize serão julgados pela lei
brasileira. Mas caso o navio ou avião desembarque em um porto estrangeiro,
serão julgados de acordo com a bandeira que estiverem, não de acordo com seu
estado de origem.
Para navios privados as regras mudam, no entanto:
✓ Em alto mar, seguem a Lei de seu Estado
soberano;
✓ Em portos e mares estrangeiros seguem a
lei do país onde estão localizados no momento.
LUGAR DO CRIME
L ugar do crime
U biquidade
T empo do crime
A tividade
Vide art. 6º do Código Penal
EXTRATERRITORIALIDADE
✓ Incondicionada: refere-se a crimes: a)
contra a vida ou liberdade do Presidente da República: b) Contra o patrimônio
ou a fé pública da União do Distrito Federal, de Estado, Território, Munícipio,
Empr. Pública, soc. De econo mista, autarquia ou Fund. Instituída pelo Poder
Público; c) contra a administração
pública por que esta a seu serviço; d) de Genocídio quando o agente for
brasileiro ou domiciliado no Brasil. Nesses casos a lei brasileira é aplicável
sem qualquer atenuante.
✓ Condicionada: tem por base os princípios
da universalidade, da personalidade, da bandeira e da defesa.
✓ Vide art. 7º do Código Penal
Lei Penal em relação as pessoas: Existem imunidades
na esfera penal que não são ligadas as pessoas que cometeram infrações penais e
sim nas funções que elas exercem, com a intenção de não violar o estigma de que
a lei é igualitária para todos.
5.1 Imunidade diplomática: impõe limitações ao
principio TEMPERADO da territorialidade, foi estabelecido pela convenção de
Viena promulgada no Brasil que o diplomata fica imune a jurisdição penal,
estando sujeito só a jurisdição de seu país de origem. Esse preceito de
imunidade se estende aos agentes diplomáticos e funcionários de organizações
internacionais quando em serviço, incluindo os familiares destes.
5.2 Imunidade parlamentar: a Constituição Federal
assegura ao poder legislativo algumas prerrogativas para que possam ter mais
autonomia em suas decisões. È um direito de todo o parlamento e não do
Parlamentar, fugindo do caráter pessoas, tornando-se assim, irrenunciável. As
imunidades parlamentares possuem duas vertentes:
✓ Imunidade Material: vide arts. 53, caput,27, §1º, e 29, VIII, da
CF.
✓ Imunidade Formal: vide arts. 53, § 4º, e
102, I,b da CF, arts. 84 do CPP; art 53, §1º e 3º da CF, art. 29, VIII, da CF.
CONCEITO DE CRIME:
✓ 1- Conceito clássico de delito:
representada por um movimento corporal que produz uma modificação em algo
(resultado)
✓ Este conceito foi produzido pelo
positivismo cientifico, que afastava outras formas de julgamento com base em outros conceitos (
filosóficos, psicológicos e sociológicos)
✓ 2- Conceito neoclássico de delito: tem
por influência a FILOSOFIA neokantiana. Seus elementos chave são: a ação
típica, antijurídica e culpável.
✓ Reformulou o velho conceito de ação deu nova atribuição a função do tipo, pela
transformação material da antijuridicidade e redefinição da culpabilidade, sem
alterar, entretanto o conceito de crime
✓ 3 - conceito analítico de crime: há dois
tipos de crime:
✓ A) Teoria Bipartida – Fato típico e
ilícito
✓ B) Teoria Tripartida – fato típico,
ilícito e culpado, adotado pelo nosso código penal.
✓ 4- Definição legal de crime no Brasil:
de acordo com o Decreto Lei nº 3.914/41, a definição de crime segue essa
analogia:
Considera-se crime a infração penal a que a lei
comina pena de reclusão ou detenção, quer isoladamente, quer alternativa ou
comulativamente com a pena de multa, contravenção, a infração a que a lei comina, isoladamente, pena de
prisão simples ou de multa, ou ambas, alternativa ou cumulativamente.
Mas o atual código penal (1940, com a reforma penal
de 1984) não deixa definição de crime deixando a elaboração de seu conceito à
doutrina nacional
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